quinta-feira, 16 de agosto de 2012

curupira

O Curupira
Depois de haverem permanecido na selva, o Arrelia e as cinco crianças, suas amiguinhas e companheiras de viagem, continuaram a excursão. Seguiram para conhecer vários lugares do Norte do Brasil onde, como sabemos, há verdadeiros tesouros históricos. Logo que chegaram procuraram um hotel, pois estavam bastante cansados da viagem e ônibus, a qual durara a noite toda. A estrada não era boa e as sacudidas do veículo haviam deixado os pobres completamente exaustos. Até Carlinhos, geralmente irrequieto, mal conseguia manter os olhos abertos. Mas durou pouco o desânimo dos nossos aventureiros. Depois de um bom banho, de um merecido repouso e de uma copiosa refeição, todos estavam prontos para os novos passeios. Saíram pela pequena mas bonita cidade onde se encontravam, muito calma e acolhedora com seus velhos casarões coloniais.Como o Arrelia já conhecia o lugar, seguia à frente da sua turminha, apontando com a bengala os locais e as casas mais interessantes. Quando chegaram a uma rua cheia de casarões muito bonitos, verdadeiros monumentos da arte do passado, ele, entusiasmado, apontou a bengala e quase acertou a cabeça de um velhinho que ia passando. Teria acertado se o homem não fosse ligeiro e não houvesse baixado a cabeça. O velhinho resmungou qualquer coisa e seguiu olhando para trás. O Arrelia e as crianças, porém, nada perceberam, tão distraídos estavam. Continuando a apontar a bengala para as casas, o Arrelia disse às crianças: 
- Vejam que "maraviulha"! Que valiosos tesouros!
Iberè fez uma cara de espanto, arregalou os olhos e exclamou:
- Tesouros? Há tesouros nessas casas?!!
- Mas que menino! - disse o Arrelia. Não falei de tesouros de riquezas, entende? Falei de tesouros históricos! Eu quis dizer que essas casas têm muito que contar do passado!
Iberè ficou meio sem jeito, deu um suspiro e falou baixinho:
- Pensei que fôssemos encontrar ouro. Como nesses contos que a gente lê.
Carlinhos, que havia conseguido manter-se calado até aquele momento, o que era de estranhar, não pôde mais:
- Ei, Arrelia! Você disse que essas casas têm muito que contar. Elas não falam...
- Vocês são de morte. O Iberè queria encontrar ouro; você quer que as casas falem. Os tesouros que elas representam valem mais do que ouro e podem pertencer a qualquer um. Basta que a pessoa esteja disposta a descobri-los. E para descobri-los, basta ouvir o que essas casas têm para contar. Vocês já observaram quanta arte existe nelas? Já imaginaram quantas coisas aconteceram nestas ruas e dentro dessas paredes? Procurem adivinhar o que essas velhas casas viram durante tantos séculos. Elas têm vida!
Marisa, que estava segurando a mão do Arrelia, apertou-a ainda mais:
- Acho que têm vida mesmo! Olhem aquela ali, de duas janelas e porta no meio. Parece que está olhando pra gente!

Ouvindo esta observação, os outros caíram na gargalhada. Essa Marisa! Depois continuaram a andar. Paravam a cada momento para admirarem algum trabalho em pedra ou o relevo de uma daquelas pesadas portas, tão ao gosto dos antigos. Por fim, o Arrelia lembrou-se de um bosque perto da cidade. Não era igual à selva de onde haviam chegado. Apenas um pedaço que sobrara da antiga mata. Ali os habitantes da cidade costumavam fazer piqueniques aos domingos. Vários animais viviam naquele lugar. Muito mansos, não fugiam das pessoas. Ao contrário, comiam confiantemente o que lhes ofereciam. As crianças que acompanhavam o Arrelia, loucas como eram pela Natureza, pularam de contentamento. Nem parecia terem chegado tão recentemente da selva.
Foram seguindo. Todos andavam em ordem. Só Carlinhos não parava. Pegava um pedra, achava um bichinho, corria atrás de uma borboleta. Mais adiante, uma coisa, vinda do ar, enrolou-se no pescoço de Jaci. Que grito deu ela. "Uma cobra!" As outras crianças, menos Carlinhos, trataram de correr. O Arrelia armou a bengala, pronto para a luta. Cobra? Era apenas um pedaço de borracha! Logo atrás, Carlinhos ria a mais não poder. Sentou-se no chão, rolou, levantou-se, tornou a sentar-se. O Arrelia tomou um ar muito sério:
- Ah diabinho! Isso é coisa que se "fauça"? Você quase matou a Jaci de susto!
- É só um pedaço de borracha! - respondeu Carlinhos, sem parar de rir.
- E como a Jaci ia saber? "Coitauda"! Ainda está tremendo!
O Arrelia abraçou Jaci, que de fato ainda tremia do susto, e os três continuaram a caminhada, encontrando-se com os outros que esperavam mais adiante, longe da "cobra".
Chegaram ao bosque e as crianças não esconderam seu entusiasmo diante da beleza que encontraram.
- Vejam como este bosque fica perto da cidade - disse o Arrelia. Seria bom que toda a cidade possuísse uma floresta assim, não é mesmo? Pode-se descansar sem ser preciso viajar muito. Observem como os animais daqui estão habituados com as pessoas. Não fogem!
- E ninguém judia deles? - perguntou Carlinhos, estranhando a confiança dos bichos.
- Não, o curupira não deixa.
As cinco crianças ficaram olhando o Arrelia com cara de espanto.
- Não sabem o que é curupira? É um menino de cabelos bem vermelhos, tem o corpo peludo, dentes verdes e os seus pés são virados: o calcanhar para a frente e os dedos para trás. É ele quem cuida dos animais da floresta. Dizem que esses ruídos misteriosos que vêm da mata são causados por ele. Só tolera os caçadores que caçam por necessidade. Mas não tem pena dos caçadores maldosos, principalmente dos que matam os filhotes. Quando vê um caçador que mata por prazer, judia tanto dele, mas tanto que o pobre ou morre ou fica meio louco para sempre. Para proteger os animais, ele usa uma porção de modos a fim de iludir o caçador: gritos, assobios, gemidos. O caçador pensa que é um animal ou uma ave e vai atrás do curupira. Quando percebe, está perdido na floresta. Ao aproximar-se uma tempestade, o curupira corre toda a floresta e vai batendo nos troncos das árvores. Assim ele vê se elas estão fortes para agüentar a ventania. Se percebe que alguma árvore poderá ser derrubada pelo vento, ele avisa a "bicharauda" para não chegar perto da árvore condenada.
Os índios contavam uma estória sobre o curupira que é interessante vocês conhecerem. Depois contarei o que o curupira fez com um amigo meu, "coitaudo". Pois é. Os índios contavam que uma vez o curupira estava andando pela floresta quando encontrou um caçador índio que dormia profundamente. O curupira estava com muita fome e cismou de comer o coração do homem. Assim, fez com que ele acordasse. O caçador levou um susto "daqueules". Era, porém, muito controlado e fingiu que não estava com "meudo". O curupira disse-lhe:
- Quero um pedaço de seu coração!
O caçador, que também era muito esperto, lembrando-se que havia morto um macaco, entregou ao curupira um pedaço do coração do bichinho. O curupira provou, gostou e quis comer tudo.
- Quero mais! Quero o resto! - pediu ele.
O caçador entregou-lhe o que havia sobrado do coração do macaco, mas em troca exigiu um pedaço do coração do curupira.
- Fiz sua vontade, não fiz? Agora você deve dar-me em pagamento um pedaço de seu coração - disse o caçador.
O curupira não era muito esperto e acreditou que o caçador havia arrancado o próprio coração sem ter sofrido nenhuma dor e sem haver morrido.
- Está certo - respondeu o curupira. Entregue-me sua faca e farei sua vontade.
O caçador entregou-lhe a faca e afastou-se o mais que pôde, temendo levar uma facada. O curupira, porém, estava sendo sincero. Enterrou a faca no próprio peito e tombou sem vida. O caçador não esperou mais. Disparou pela floresta com tal velocidade que deixaria para trás os bichos mais rápidos da mata. Quando chegou à aldeia, estava com a língua de fora e prometeu a si próprio não voltar nunca mais à floresta. Pensou: "Desta escapei. Noutra é que não caio." E assim foi. Durante um ano o índio não quis saber de entrar na mata. Quando lhe perguntavam por que não saía mais da aldeia, ele se desculpava dizendo estar doente. Não contava, porém, que era "meudo" e não doença".

O caçador tinha uma filha que era muito vaidosa. Como ia haver uma festa dentro de poucos dias, ela pediu ao pai um colar de presente:
- Quero um colar que seja diferente de todos os que já vi!
O índio era um pai muito dedicado e começou a pensar de que modo poderia satisfazer o desejo da filha. Lembrou-se então dos dentes verdes do curupira. Daram um bonito colar, sem dúvida. Partiu para a floresta e procurou o lugar onde o curupira havia morrido. Depois de algumas voltas deu com o esqueleto meio encoberto pelo mato. Os dentes verdes brilhavam ao Sol, parecendo esmeraldas. Conseguindo vencer o receio, apanhou o crânio do curupira e começou a dar com ele no tronco de uma árvore para que se despedaçasse e soltasse os dentes.
Imaginem a sua surpresa quando viu o curupira voltar à vida de repente. Ali estava ele exatamente como antes, parecendo que nada havia acontecido. O susto foi tão grande que o caçador não conseguiu dar um passo sequer. "Estou perdido!" - pensou. Mas por sorte o curupira acreditou que o caçador o ressuscitara de propósito e ficou todo contente:
- Muito obrigado! Você devolveu-me a vida e não sei como agradecer-lhe!
O índio percebeu que estava salvo e respondeu que não havia sido nada. O curupira, porém, achou necessário pagar o favor. Pensou, pensou e por fim disse:
- Tome este arco e esta flecha. São mágicos. Basta que você olhe para a ave ou animal que deseja caçar e atire. A flecha não errará o alvo. Nunca mais lhe faltará caça. Mas agora ouça bem: jamais aponte para uma ave ou animal que esteja em bando, pois você seria atacado e despedaçado pelos companheiros deles. Entendeu?
O índio disse que sim e desde aquele momento não mais lhe faltou caça. Era só atirar a flecha e zás! o bicho caía. Tornou-se o maior caçador de sua tribo. Não errava nunca. Por onde passava era olhado com respeito e admiração, mesmo por seus inimigos

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